Física,Química,Matemática(Atividades para os Alunos)

terça-feira, 30 de junho de 2020

A verdade olímpica: como surgiram os jogos na Grécia antiga



Antonio Neto
Por mais de mil anos, os gregos disputaram competições esportivas que inspiraram as Olimpíadas modernas como forma de se manterem alerta e preparados para as guerras.

Em 776 a.C., após deixar para trás seis adversários, o grego Corobeu venceu a única prova daquela que ficaria conhecida como a primeira edição dos Jogos Olímpicos. Diferentemente do que se imagina, não foi uma corrida de longa distância: o cidadão da cidade de Elis percorreu apenas os 192 metros de extensão do estádio de Olímpia, na península do Peloponeso. A idéia de que a maratona foi o primeiro esporte olímpico, portanto, não passa de um mito.
Segundo esse mito, em 490 a.C., durante o período de guerras entre gregos e persas, um corredor chamado Fidípides teria atravessado quase 100 quilômetros entre Atenas e Esparta para buscar ajuda. Outra versão conta que um homem chamado Eucles percorreu a distância entre Atenas e acidade de Maratona para participar da batalha. Com a vitória dos gregos, ele retornou a Atenas para dar a notícia, um esforço de 40 quilômetros entre ida e volta que teria custado sua vida.
Nigel Spivey, professor de Artes Clássicas e Arqueologia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e autor de The Ancient Olympics (“As Olimpíadas antigas”, inédito em português), afirma que o equívoco pode ser esclarecido ao se analisar a formação social da Grécia antiga. “Isso que chamamos de corrida de longa distância nunca tinha sido considerado esporte, tendo em vista que o trabalho de levar mensagens entre as cidades era função de servos e escravos.”
Na democracia grega, apenas homens livres eram considerados cidadãos. Entre seus direitos estavam as decisões políticas e a participação no exército. Essa natureza bélica, enraizada na própria mitologia, também se relaciona com a atenção dada ao corpo. A prática constante de atividades físicas era a responsável por mantê-los preparados para as guerras – e acabou dando origem às Olimpíadas. As cidades-estados só alcançavam esse status se oferecessem para a população um local para a prática de esportes – o estádio. A partir do século 8 a.C., a Grécia estabeleceu um calendário de competições para motivar seus “atletas”.
A primazia de Olímpia sobre as demais cidades gregas na organização dos jogos está fundamentada na mitologia. Filho de Zeus, o herói Hércules teria inaugurado os Jogos Olímpicos como forma de comemorar o sucesso de um de seus 12 trabalhos: a limpeza dos estábulos de Audias, rei de Elis. Concretamente, sabe-se que essa lenda foi representada em Olímpia pelo escultor Fídias, que, em 440 a.C., foi o responsável pela construção do mais importante templo em homenagem a Zeus, que se transformou numa das Sete Maravilhas do mundo antigo. A estátua fez com que a cidade se tornasse o principal ponto de encontro dos festivais religiosos. E a proximidade do estádio fez com que Olímpia se destacasse como palco dos esportes.
Por mais de 40 anos, a participação foi restrita a atletas da região. Mas, entre 732 a.C. e 696 a.C., a lista de vitoriosos passou a incluir cidadãos de Atenas e Esparta. E, a partir do século 6 a.C., os jogos passaram a receber inscrições de qualquer homem que falasse grego, fosse ele da Itália, do Egito ou da Ásia. “Participar de torneios como aqueles não era, de fato, apenas competir”, afirma Nigel Spivey. “Os atletas dirigiam-se para as Olimpíadas antigas com o interesse de ganhar e ser reconhecidos como os melhores.”
Ao longo dos anos, diversas cidades-estados passaram a realizar suas próprias disputas, que também carregavam um forte viés religioso. Como forma de homenagear a deusa Atena, os chamados Jogos Panatenáicos foram instituídos em Atenas em 566 a.C., mas acabaram ofuscados por outros torneios. Esse novo circuito de competições, conhecido como Jogos Sagrados, era sediado em Olímpia e Delfos – a cada quatro anos – e em Corinto e Nemea – a cada dois anos.

Bigas e sangue
Embora a primeira Olimpíada tenha acolhido apenas uma disputa, novas categorias foram incluídas ao longo dos mais de mil anos do evento como forma de disputa política e militar. As corridas de biga, inicialmente com quatro cavalos, inauguraram um novo espaço de competições, o hipódromo, em 680 a.C., data da 25ª edição dos jogos. Diversos personagens históricos protagonizaram embates nessa modalidade. O político Alcibíades, amigo e entusiasta de Sócrates, participou da corrida de 416 a.C. com nada menos que sete bigas. Segundo o historiador Tucídides, conquistou o primeiro, o segundo e o quarto lugares. Em 67 d.C., já sob o domínio romano, os gregos assistiram ao imperador Nero ser coroado vencedor mesmo sem ter cruzado a linha de chegada com sua biga puxada por dez cavalos.
Embates corporais também fizeram parte do calendário olímpico da Antiguidade. Uma das modalidades, conhecida hoje como luta greco-romana, já fazia parte do treinamento físico dos jovens da Grécia desde o século 10 a.C. Os primeiros vestígios da inclusão dessa luta numa Olimpíada datam de 400 anos depois: foram encontrados em fragmentos de uma placa de bronze. Para vencer a luta, não havia contagem de tempo. As categorias eram divididas por idade. Era preciso jogar o oponente ao chão pelo menos três vezes – sem quebrar os dedos do adversário.
O boxe também foi disputado. Um busto representando um lutador de 330 a.C. dá conta da violência da modalidade – há inúmeras cicatrizes na imagem de bronze. Não havia luvas, rounds ou regras claras para aliviar o sofrimento dos competidores. O orador João Crisóstomo registrou em dois discursos que um tal Melancomas, morador de Cária (localizada na costa da Ásia Menor), teria sido o maior pugilista do primeiro século da era cristã.
A luta mais cruel da competição, porém, foi introduzida no calendário cerca de 100 anos depois da primeira Olimpíada. Para que se tenha idéia, os combatentes do chamado pancrácio eram punidos pelos juízes só em caso de mordidas ou quando um deles arrancasse o olho do adversário. O vencedor acabava venerado pela platéia mesmo quando provocava a morte do oponente.
Conjunto de cinco categorias, o pentatlo era disputado em provas de corrida, salto, luta, arremesso de disco e arremesso de dardo. Respectivamente, corridas e lutas abriam e encerravam o conjunto de provas – com algumas regras próprias, ambas categorias também eram disputadas fora do pentatlo. Na corrida, a distância mais curta envolvia um trajeto de cerca de 200 metros, equivalente ao comprimento dos estádios. Na mais longa, os atletas disputavam a liderança em 24 voltas pelo perímetro do local ou 5 mil metros.
Os jogos da Antiguidade eram violentos. Muitas vezes, serviram para simular batalhas militares. A morte de atletas chegou a ser registrada. A despeito das condições climáticas e mesmo de higiene, sabe-se que os atletas competiam nus. Historiadores antigos registram que essa tradição teria começado em 720 a.C., quando um sujeito chamado Orsipos, de Megara, venceu uma prova de corrida ao notar que sua performance seria melhor se ele abandonasse suas roupas pelo trajeto. A própria palavra “ginástica” tem o termo “nudismo” em seu radical grego gymnos – o que explicaria a proibição de mulheres, fosse como atletas, fosse como espectadoras.
Por mais sangue que tenha sido derramado, os atletas jamais abriram mão de alguma ambição pela vitória. Nem mesmo durante as guerras, ou quando a Grécia esteve sob domínio dos macedônios e dos romanos, as competições esportivas deixaram de ser realizadas. Os jogos, contudo, entraram em declínio na segunda metade do século 4.
Durante o domínio do imperador Teodósio, em 380 o cristianismo foi anunciado como religião oficial do Império Romano, fazendo com que, 13 anos depois, todos os centros esportivos e religiosos que abrigavam festas pagãs fossem fechados. Era o fim dos Jogos Olímpicos da Antiguidade, que só viriam a ganhar uma versão moderna cerca de 1500 anos mais tarde.

Renascimento olímpico
Só os aristocratas estiveram na primeira edição moderna dos jogos.
Durante todo o século 19, depois de tornar-se independente do domínio turco em 1821, a Grécia foi invadida por inúmeras expedições arqueológicas. A França foi o primeiro país a explorar Olímpia – hoje, o museu do Louvre, em Paris, abriga várias relíquias gregas –, mas os alemães tomaram a frente das escavações até 1881, quando um barão francês viu a chance de transformar um sonho seu em realidade. Educado na Inglaterra, o aristocrata Pierre de Coubertin não conseguiu aplicar nas escolas da França o método de formação de jovens que havia aprendido – lá, os exercícios físicos eram uma forma de punir os alunos mal- comportados. Por isso, foi buscar inspiração nos ginásios da Grécia antiga para emplacar sua idéia.  Coubertin passou a defender a prática esportiva como meio de formar cavalheiros, deixando de lado a noção grega de preparar cidadãos para combates. Em 1894, durante um congresso de atletas amadores em Paris, o barão propôs a retomada do ideal olímpico. Ele não era esportista, mas possuía o dom da oratória típico dos antigos gregos. Ao fim da conferência, viu aceita sua sugestão para estabelecer encontros periódicos entre os cavalheiros- esportistas. Estava inaugurado o Comitê Olímpico Internacional, que marcou para 1896, em Atenas, a primeira edição dos Jogos Olímpicos modernos. Ao menos em um ponto eles foram semelhantes às Olimpíadas antigas: as 13 nações que aceitaram reviver a competição enviaram apenas jovens da elite social. Exatamente como sonhara Coubertin.

Aventuras na História n° 046

O Templo de Ártemis


Maria Carolina Cristianini
Ponto de peregrinação e homenagens à deusa em Éfeso.
O matemático Philon de Bizâncio, um dos autores da lista das Sete Maravilhas da Antiguidade, escreveu no século 3 a.C.: “Eu já vi os muros e os Jardins Suspensos da Babilônia, a estátua de Zeus, o Colosso de Rodes, a poderosa obra das grandes pirâmides e a tumba de Mausolus. Mas quando vi o templo de Éfeso chegando às nuvens, todas essas outras maravilhas ficaram à sua sombra”. As palavras dão idéia do que era o templo para Ártemis, deusa ligada à fertilidade e à natureza.
Localizado em Éfeso, antiga colônia grega no sudoeste da atual Turquia, o templo foi construído e reconstruído pelo menos sete vezes. A primeira obra é do século 9 a.C., mas o templo que entrou para a história foi erguido por volta de 550 a.C. e caiu por terra em 356 a.C., quando Herostratus, um morador da cidade, o incendiou – sua intenção era ficar famoso.
Foi a reconstrução dessa obra, feita logo em seguida, com 114 por 55 metros, que se tornou uma das maravilhas. O novo templo foi destruído em 262 pelos godos, povo germânico. “Com o tempo, os moradores se converteram ao cristianismo e perderam o interesse pelo culto à deusa”, diz o historiador Claudio Carlan, da Universidade Estadual de Campinas.

 A obra
Construção que ficou famosa foi iniciada no século 4 a.C.

Acabamento final
Suspensos por um sistema de roldanas, até 12 blocos cilíndricos eram colocados uns sobre os outros para erguer as colunas. Depois de prontas, com cerca de 20 metros de altura, começava o trabalho de decoração. Artistas esculpiam ornamentos em estilo jônico, em espiral, no topo, além de sulcos até a base.

Casa da deusa
Na parte interior do templo ficava o local de veneração. A estátua de Ártemis, de 15 metros de altura, era feita de ouro, prata e ébano e possuía vários seios – eles simbolizavam a fertilidade.

Força animal
Durante a construção do templo, trabalhadores traziam em carroças puxadas por bois os blocos de mármore, retirados de uma pedreira a 8 quilômetros de distância. Com eles, formaram as 127 colunas que rodeavam o local. Para facilitar o transporte, cada bloco era preso com uma armação, simulando uma roda.

 A maravilha
Hoje resta no local só uma das 127 colunas originais

Mitologia na entrada
Uma viga horizontal sobre as colunas, chamada arquitrave, decorava a entrada do templo com ornamentos mostrando cenas da deusa. Acima havia uma área triangular, o pedimento, onde foram esculpidas figuras das amazonas (mulheres guerreiras mitológicas).

Arte em mármore
Escultores gregos fizeram entalhes em alto relevo nas bases de 36 colunas. Em tamanho natural, eram coloridos (provavelmente em azul, vermelho e dourado) e mostravam figuras da mitologia grega, como os deuses Tanatos, representando a morte, e Hermes, o mensageiro.

Ártemis nas alturas
Os alicerces do templo foram feitos sobre os restos do que foi incendiado em 356 a.C. Só que, dessa vez, um bloco retangular com dez degraus de mármore foi acrescentado à base do templo, como fundação, para elevá-lo e dar mais destaque à deusa.

Turismo religioso
Pessoas vindas de diversos lugares, como Síria, faziam peregrinações ao local para prestar homenagens à deusa e oferecer-lhe presentes. Os visitantes – de artesãos a reis – tinham à disposição barraquinhas que vendiam cópias da estátua de Ártemis e réplicas do templo.

Aventuras na História n° 046

Idade Média, período das invenções



Cláudia de Castro Lima
Parece que o período que compreende os séculos 5 ao 15 resolveu realmente ser revisto. Outro livro que o toma como cenário, dessa vez para mostrar como uma série de inventos apareceu, é Invenções da Idade Média (Jorge Zahar). A autora Chiara Frugoni mostra que devemos a essa época coisas que estão absolutamente incorporadas ao nosso cotidiano ainda hoje, como os óculos, o livro, os bancos e até o número zero.

Aventuras na História n° 046

O pai do Rockabilly e o Padrão Geométrico Penrose



Álvaro Oppermann
Rei rockabilly 1

Que Bill Haley ou Elvis, que nada. O pai do visual rockabilly foi o rei Edward VII da Inglaterra (1841-1910), o filho ovelha negra da rainha Vitória. Na década de 1860, Teddy (como era chamado) apavorava em Londres com um longo topete e cabelo lambido, terninho e sapatos bicolores como os usados mais tarde por Jerry Lee Lewis e gravata slim jim (de cordão). Para horror da elegante rainha.
Rei rockabilly 2

A fase estilosa durou pouco para Edward. Barrigudo ao subir ao trono, em 1901, já não cabia nos ternos da juventude. Em 1953, porém, a imprensa não teve dúvidas: ao ver os jovens membros de gangues nascentes usando as roupas do monarca, batizou-os de “Teddy Boys” (“os garotos de Teddy”).
Velha descoberta

Uma das maiores descobertas matemáticas do século 20 já havia sido feita... há 800 anos. Foi isso que o professor da Universidade de Harvard Peter J. Lu afirmou recentemente. Trata-se do Padrão Geométrico Penrose – composto por polígonos que se combinam num arranjo infinito sem se repetir. Segundo Lu, ele já era conhecido pelos matemáticos muçulmanos desde o século 12. Um exemplar do padrão pode ser visto nas paredes do santuário da cidade de Isfahan, no Irã, de 1453.

Surdo como uma porta



Lívia Lombardo
Para os romanos, as portas tinham poderes mágicos.
Grande parte dos estudiosos da língua atribui à Roma antiga a origem da expressão usada para designar pessoas que não escutam direito. Na época, as portas tinham um caráter meio mágico. Quem passava por elas saía de um mundo, o externo, e entrava em outro. “Ultrapassar uma porta, uma passagem, era estar sob o controle de uma divindade doméstica, que podiam ser os conhecidos por deuses lares ou o espírito da casa, o genius”, diz o historiador Pedro Paulo Funari, da Universidade Estadual de Campinas.
Os romanos, por isso, tinham como hábito falar palavras mágicas em frente às portas, além de fazer pedidos a elas. E passaram a relacionar os pedidos que não se concretizavam a uma suposta “surdez” da porta. Esse velho costume foi registrado pelo escritor latino Festo, que viveu no século 4.

Aventuras na História n° 046

O mais antigo comércio, tumba de Herodes e tragédias naturais



O bom e velho comércio
O mais antigo ponto comercial do Oriente Médio pode ter sido descoberto. Arqueólogos acreditam que o sítio iraniano Pardis, ao sul da capital do Irã, era uma zona industrial que funcionava há 7 mil anos. Lá eles encontraram objetos como fornos de tijolo, rodas de cerâmica, fusos de tear e cerâmicas artesanais, que teriam sido fabricadas no local.

A tumba do rei herodes
Arqueólogos da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, afirmaram ter encontrado a tumba do rei Herodes, o “rei dos judeus”, que governou a Judéia de 37 a.C. a 4 a. C., quando morreu. O túmulo foi descoberto numa colina chamada Herodium, no deserto da Judéia. O rei Herodes é o que, de acordo com a Bíblia, foi o responsável pelo episódio do Massacre dos Inocentes – quando teria mandado matar todos os meninos com menos de 2 anos na época em que Jesus teria nascido.

Vítimas portuguesas
Pesquisadores da Academia do Museu de Ciências dizem ter resolvido um mistério português de três anos. Os 3 mil esqueletos encontrados então por trabalhadores que escavavam um convento do século 17 são de vítimas do terremoto que devastou Lisboa em 1755. O tremor de terra do dia 1º de novembro, seguido por um tsunami e um incêndio que durou seis dias, foi um dos maiores desastres naturais da Europa. Acredita-se que cerca de 60 mil pessoas tenham morrido. Os corpos podem ajudar os cientistas a entender melhor a tragédia.

O barco Beagle de Darwin



Bruno Vieira Feijó
A bordo dele, naturalista fez a viagem que o ajudou a criar sua teoria da seleção natural.
Ele foi apenas mais um de uma série de outros 107 navios construídos pela Marinha Real inglesa para fortalecer suas esquadras de guerra. Mas o HMS Beagle entrou para a história por alojar durante cinco anos um hóspede ilustre: Charles Darwin. Foi a bordo de uma minúscula cabine do Beagle, entre 1831 e 1836, que o então recém-formado biólogo escreveu as observações sobre bichos e plantas que mais tarde dariam origem à teoria da seleção natural das espécies.
A viagem da qual Darwin participou – e que, segundo ele, foi a mais importante de sua vida – foi a segunda de três expedições conduzidas pelo HMS Beagle. As viagens serviram para atualizar mapas litorâneos de locais como América do Sul, Oceania, África e Austrália.
Em 1845, dois anos após a última expedição, já sem condições de navegação, o Beagle foi repassado  à guarda costeira britânica, que o usou como entreposto militar no rio Roach, no condado de Essex (sudeste da Inglaterra). O objetivo era fiscalizar o contrabando de produtos na região, principalmente conhaque e tabaco. Enquanto serviu de entreposto militar, os guardas moravam a bordo com suas famílias. Isso incomodava os pescadores de ostras – para eles, a embarcação, que ficava no meio do canal, dificultava a navegação. O posto, então, foi transferido para a margem em 1850 e permaneceu ancorado próximo à vila de Paglesham até 1870, quando o Beagle foi leiloado como sucata para comerciantes locais.
A partir daí, o rastro dele se perdeu por mais de um século. Até que, no ano 2000, Robert Prescott, um dos mais prestigiados arqueólogos marinhos do mundo, anunciou ter encontrado madeiras e cerâmicas provavelmente da famosa embarcação – elas foram achadas sob 5 metros de lodo num pântano, perto da ilha de Potton. Em 2004, usando técnicas aplicadas na exploração da superfície de Marte, encontrou uma âncora que acredita ser do Beagle. Mas a pesquisa de Prescott teve de ser interrompida por falta de verba.

Aventuras na História n° 046

O corpo feminino ideal



Adriana Marmo
Critério de beleza já mudou muito.

Na Pré-História, mulheres com seios fartos e ancas bem definidas eram as prediletas dos homens. Suas formas mostravam que eram bem alimentadas e capazes de gerar filhos sadios. Mas o conceito de beleza foi fundamentado muito depois, com os gregos. Para eles, belo era tudo o que equilibrava proporção e simetria. A forma ideal do corpo feminino, porém, mudou muito de lá para cá.
Século 8

Barriga, sim!
Quanto mais barriguda, mais bonita. Valia até colocar enchimento sob a roupa para aumentar a região. Numa época em que a Igreja exercia enorme poder, o ventre saliente estava relacionado à gravidez imaculada da Virgem Maria.

Século 15
Gordinha sexy

No Renascimento, as gordinhas eram as mais belas. A opulência, sinônimo de saúde, virou moda depois de a peste negra ter eliminado quase dois terços da população européia no fim da Idade Média.
Século 17

Cintura de pilão
A partir do Barroco, o ideal de beleza feminina foi exigindo formas frágeis. A cintura, o maior objeto de desejo, foi afinando cada vez mais à custa de espartilho e até de cirurgia para remoção da última costela. No fim do século 19, o corpo perfeito tinha cintura de 40 cm.

Nos 20
Peito achatado

A emancipação feminina pôs fim aos espartilhos. O belo eram as silhuetas cilíndricas – cintura, seios e quadris parecidos nas medidas. As mulheres enrolavam faixas sob a roupa para achatar seios e quadris.
Anos 40

Mulher  macho
A Segunda Guerra Mundial exigiu a força do trabalho feminino e o ideal de beleza se adaptou: passou a compreender formas mais masculinizadas. Entram em voga ombros largos, como os que  tinha a atriz Joan Crawford.

1947
Forma voluptuosa

O lançamento da coleção do estilista Christian Dior em 1947 é uma espécie de celebração à vida depois dos horrores da guerra. A cintura afina e as formas são como as de Marilyn Monroe.
Anos 60

Muito magra
A magreza da modelo Twiggy e seus traços de boneca tornam-se as características mais desejadas pelas mulheres. Começa aqui o sonho de ser eternamente jovem. Com o movimento hippie, também passa a ser moda ter um corpo sem curvas e com os seios pequenos.

Anos 80
Corpo sarado

A simbologia do corpo musculoso, como o de Madonna, é ela poder enfrentar os homens no mercado de trabalho e defender-se da violência. Os homens querem músculos torneados para espantar o fantasma da aids, que deixava os soropositivos muito magros.
Fim dos anos 80

Tipo top model
As modelos Linda Evangelista, Cindy Crawford, Claudia Schiffer e, no Brasil, Luiza Brunet trazem de volta o padrão de beleza clássico. Além de belas, a aparência do corpo é saudável – e elas têm curvas.

Anos 90 e 2000
Anorexia e silicone

A modelo Kate Moss surge com a aparência heroína- chic e determina que todas sejam absolutamente magras. A anorexia cresce entre as adolescentes. Mas as mulheres querem seios grandes, conseguidos com silicone. O padrão atual é Gisele Bündchen.
Aventuras na História n° 046

O pioneiro Anchieta



Maria Fernanda Ziegler
Beato foi o primeiro europeu a explorar o poder curativo das ervas brasileiras.
O padre José de Anchieta, morto há 410 anos, foi o introdutor do teatro em terras brasileiras. E também o primeiro a escrever uma gramática em língua tupi. Além disso, fez nascer o cateretê, o embrião da música popular brasileira, ao misturar poemas religiosos com a música indígena. Mas suas ações pioneiras não se restringiram às artes. Anchieta também se aventurou pela biologia.
Cobiçadas hoje por cientistas e laboratórios no mundo inteiro, as plantas brasileiras despertaram sua atenção no século 16. Os jesuítas perceberam que a medicina poderia ajudá-los a se infiltrar na cultura tupi-guarani. “De início, os remédios vinham do reino, mas logo os padres foram conhecendo as substâncias utilizadas pelos indígenas”, diz a historiadora Maria Aparecida Lomonaco. “José de Anchieta é o nome-símbolo das artes médicas no Brasil do século 16.”
Anchieta e outros oito padres chegaram ao Brasil em 1553, com o segundo governador-geral do país, Duarte da Costa. No livro Os Jesuítas, o historiador inglês Jonathan Wright afirma que a Companhia de Jesus foi a primeira ordem da Igreja Católica que teve intenção ativa – e não apenas contemplativa. Eram os tempos da contra- reforma católica e os jesuítas tinham a missão de expandir o catolicismo nas novas terras descobertas na América.
Por aqui, esbarraram na figura do pajé – que tinha, entre suas incumbências, a de curar as enfermidades nas tribos. Os padres depararam com fórmulas e métodos diferentes para a cura. E assim Anchieta foi aprendendo, por exemplo, que o maracujá era indicado para baixar a febre. Ou que o guaraná curava a disenteria. E passou a usar essas plantas também.
Para os tupis-guaranis, as doenças eram provocadas por espíritos maus. A terapêutica indígena consistia na mescla de religiosidade com a aplicação de substâncias da flora local. E foi exatamente essa falta de conhecimento científico dos nativos um dos trunfos dos jesuítas para a conquista da população indígena.
Nos tempos do descobrimento, doenças terminais eram muito raras entre os índios. Caso isso acontecesse, o doente era desenganado pelo pajé e abandonado pelo grupo. Nesses casos, os jesuítas utilizavam os conhecimentos médicos aprendidos na metrópole – e, além da cura do doente, obtinham sucesso no processo de evangelização. Para Maria Aparecida, a assistência médica, ainda que prestada no âmbito da caridade cristã, foi uma arma poderosa na catequese. “Era a forma mais eficiente de promover o descrédito dos pajés.”

Farmácia natural
Veja o que Anchieta e os jesuítas aprenderam com os índios.
• Para inflamação nos olhos ou conjuntivite, os pajés empregavam o suco de piná-piná (ou cansanção).
• A andiroba tinha propriedade cicatrizante e era usada nos ferimentos por flechadas.
• Para ulcerações, ferimentos e dermatoses, eram empregados copaíba, capeba ou pariparoba, maçaranduba, cabriúva e caroba.
• Jurubeba, quinheira brasileira e maracujá eram indicados contra febre.
• O caju, o ananás e o jaborandi serviam de diuréticos.
• O guaraná era purgativo e tratava disenteria.
• O pentume ou tabaco era usado para curar problemas respiratórios.

Aventuras na História n° 046

Sabin, meu amor


Adriana Maximiliano
A brasileira Heloísa Dunshee de Abranches Sabin, viúva do cientista americano que inventou a vacina em gota contra a poliomielite, conta a luta do marido para erradicar a doença em todo o  mundo.

Houve tempo em que lugar de criança era em casa. Culpa das epidemias de poliomielite do século passado. A pólio ou paralisia infantil, como também é conhecida essa doença contagiosa, tem os mesmos sintomas da gripe e pode causar paralisia ou morte. As principais vítimas são crianças menores de 5 anos. Em 1921, quando adultos ricos achavam que estavam imunes, um nova-iorquino de 39 anos foi contagiado. Franklin Delano Roosevelt ficou paralisado da cintura para baixo e assim se tornou presidente dos Estados Unidos. E um dos grandes combatentes da pólio.
Em 1938, Roosevelt iniciou uma campanha pela cura da doença. Os cientistas Albert Sabin e Jonas Salk foram os principais soldados dessa batalha. Rivais, defendiam vacinas diferentes: Salk queria a que tivesse o vírus morto e Sabin só acreditava no poder do vírus vivo atenuado. Salk saiu na frente, em 1954, com a vacina injetável. Mas Sabin, com a vacina oral – você tomou a sua gotinha, não? –, erradicou a doença no Brasil, nos Estados Unidos e em quase todo o planeta.
Em 1971, numa festa na orla carioca, Sabin conheceu uma secretária brasileira, se apaixonou e casou pela terceira e última vez. Heloísa Dunshee de Abranches era desquitada e tinha 54 anos, dez a menos que o cientista. O casal viajou o mundo participando de campanhas pela erradicação da pólio. Hoje, aos 89 anos, Helô, como gosta de ser chamada, vive sozinha no apartamento que dividiu com o cientista, em Washington. Sabin morreu em 1993, mas ainda está presente nos livros do escritório intocado, num mural de fotos no quarto e nos olhos de Helô. “Eu sinto que Albert ainda está aqui comigo”, diz ela, cuja história de amor vai virar livro pela editora Record.
Graças à descoberta de Albert Sabin e às campanhas de vacinação que ele ajudou a criar no Brasil, é difícil imaginar o que a pólio causou no passado. Como era, para uma mãe, viver sob a ameaça da doença?
Heloísa Sabin – Qualquer resfriado dava medo. A doença era um mistério, atingia todas as classes sociais e ninguém sabia como se disseminava. A Europa sofreu grandes epidemias no século 19 e o Brasil tem registros da doença desde o início do século 20. A vacina Sabin só chegou ao Brasil nos anos 60, as campanhas de vacinação em massa começaram em 1979 e a pólio foi erradicada no país em 1994. Esse pesadelo é bem mais recente do que parece. Até outro dia, tínhamos crianças usando aparelhos ortopédicos nas ruas e pulmões de aço nos hospitais (em cada 200 casos de pólio, um provoca paralisia. Os membros inferiores são atingidos primeiro, mas, quando a doença chega aos músculos do sistema respiratório, é preciso usar um aparelho que permita a respiração artificial, como é o caso do “pulmão de aço”).

Como foi a vida de Sabin até descobrir a cura da doença?
Ele nasceu em 26 de agosto de 1906, em Bialystok, cidade da Polônia que na época fazia parte da Rússia Imperial. Era de uma família judia muito pobre. Teve uma infância marcada pelo preconceito e pela falta de dinheiro. Quando Albert tinha 15 anos, emigrou com os pais para os Estados Unidos. A vida começou a melhorar, ele pôde estudar e escolheu ser cientista. Formou-se em Medicina pela Universidade de Nova York, estudou em Londres e virou professor de pesquisas pediátricas da Universidade de Cincinnati. Depois da Segunda Guerra Mundial, ele direcionou todo seu esforço para descobrir a vacina contra a pólio. Foram 20 anos de pesquisa. Ele dizia que, a cada dia de trabalho, tinha 100 frustrações e uma gratificação. Mas tudo valeu a pena.

Epidemias de pólio atingiram a Europa e Estados Unidos, mas só depois que Roosevelt foi contagiado começou a corrida pela vacina. Por quê?
Roosevelt lutou a vida toda para voltar a andar (ele escondia sua deficiência e sempre evitou ser visto em cadeira de rodas. Teve quatro mandatos presidenciais, de 1933 a 1945, mas existem apenas duas fotos dele em cadeira de rodas). Ele criou uma clínica de reabilitação (Warm Springs) e depois uma campanha para arrecadar dinheiro para a luta contra a pólio (March of Dimes, que incentivava o povo a mandar moedas para a Casa Branca. Em menos de um ano, chegaram quase 2 milhões de dólares). Graças ao povo, vários cientistas puderam se dedicar exclusivamente às pesquisas.

Os principais foram Sabin e Jonas Salk. Como era a rivalidade entre eles?
Albert acreditava que a vacina ideal deveria ter o vírus vivo atenuado, enquanto Salk defendia a vacina com o vírus morto. A imprensa pôs muita lenha nessa rivalidade.
Em 1954 Salk anunciou a descoberta de sua vacina e virou herói. Sabin descobriu a dele um ano depois, mas só conseguiu aceitação em 1961. Por que a resistência?
Salk até hoje é visto como grande vencedor nos Estados Unidos, apesar de a vacina dele não ter sido perfeita (a eficácia era de 70%). A Sabin é mais barata, mais fácil de aplicar, não precisa de constantes reaplicações como a Salk e é capaz de dar imunidade às crianças não- vacinadas que convivem com outras vacinadas. Apenas depois de vacinar milhões de crianças com sucesso, na Rússia e em outros países, os americanos se interessaram pela vacina dele. Em 1961, quando já era a mais usada em todo o mundo, a vacina Sabin substituiu a Salk nos Estados Unidos. O mais importante é que ambos doaram suas patentes para a humanidade.

Mas Salk, então, perdeu a batalha?
Para o povo e a imprensa dos Estados Unidos, ele continuou herói. Mas a vacina Sabin era melhor e erradicou a pólio na maior parte do mundo, inclusive nos Estados Unidos. No Brasil, Albert sempre foi tratado com todo carinho. Ele era cercado nas ruas, visto como um ídolo. Toda mulher brasileira e mãe tinha muita admiração por ele. Inclusive eu!

A senhora entrou na vida de Sabin em 1971. Como aconteceu?
Ele ia ao Brasil com frequência para receber homenagens e ajudar na erradicação da pólio. Amava o país e o povo. Numa dessas viagens, acompanhei minha chefe e tia, a condessa Pereira Carneiro (então proprietária do Jornal do Brasil), numa festa para Albert no Rio. Eu tinha 54 anos, dois filhos, estava desquitada desde os 34 e trabalhava como secretária da titia. Albert tinha 64, duas filhas,  estava divorciado e era o presidente do conceituado Instituto Weizmann de Ciências, em Israel. Ele me pareceu extremamente charmoso. No fim da festa, entrei na fila para cumprimentá-lo. Ele apertou minha mão com força, deu dois beijinhos e repetiu meu nome várias vezes. Dias depois, nos reencontramos por acaso no aeroporto. Ele estava indo embora e, quando me viu, disse meu nome inteiro. Conversamos e Albert pediu que eu mandasse uma foto dele que tinha saído no JB. Foi o que fiz.

E o que aconteceu?
Mandei junto um bilhete e ele respondeu com uma carta linda, de duas páginas. Disse que tinha ficado encantado, pediu fotos minhas. Logo estávamos trocando cartas apaixonadas. Três meses depois, aproveitei uma folga de Carnaval e fui ao encontro dele numa estação de esqui da Suíça. Foram 12 dias de paixão. Nem a condessa sabia que eu estava lá. Não éramos casados e, naquela época, uma viagem daquelas seria um escândalo. Estava apaixonada e arrisquei, mas tudo podia ter acabado ali.

Quando foi o encontro seguinte?
Voltei para o Rio e ele, para Israel. Dias depois, Albert teve que fazer alguns exames e descobriu que precisava operar o coração na Flórida. Fiquei apavorada. Ele me convidou para encontrá-lo em Miami, durante a semana de recuperação. Para mim, era tudo ou nada. Pedi demissão e levei todas as minhas coisas, porque minha esperança era ir de Miami para Israel. Tive até que pagar excesso de bagagem! Cheguei ao aeroporto com aquele monte de malas e meu casaco de pele. Claro que eu só levei o casaco porque iria para Israel. A filha do Albert até hoje brinca, dizendo que quando me viu no calor de Miami, com o casaco de pele na mão, pensou: “Essa não larga o papai nunca mais!”

E não largou mesmo!
Não. De Miami fomos para Israel, depois casamos numa pequena cerimônia em Nova York e, nos anos seguintes, corremos o mundo. Participamos de campanhas de vacinação na China, em Cuba, República Dominicana, íamos todo ano ao Brasil. Albert diminuiu o ritmo de trabalho e, feliz, dizia: “A vida começa aos 65”.

O fato de ele ser judeu  e a senhora católica atrapalhou?
Antes de casar, cheguei a pensar em me converter, porque achei que não seria bom para ele, em Israel, ter uma mulher que não fosse judia. Mas Albert disse que ficaria decepcionado se eu fizesse isso, porque não se deve mudar de religião por qualquer tipo de interesse e sim por convicção. Ele estava certo. Sempre fui bem recebida em todos os lugares onde moramos ou que visitei com ele.

Quais são suas lembranças mais marcantes das viagens?
Não eram viagens turísticas. Conhecíamos os líderes de cada país, como Fidel Castro em Cuba. Lembro que Albert até brincou, dizendo que tinha ficado com ciúme, porque nosso aperto de mão foi longo demais! Também conhecíamos o povo, lugares que nenhum turista costuma visitar. Jantei na casa de uma família russa, outra chinesa... Eram viagens profundas, cheias de emoção.

Como eram as idas ao Brasil?
Entre visitas aos meus familiares e passeios, Albert participava de campanhas. Ele até estudou português na PUC do Rio para poder se comunicar com o povo e com as voluntárias que davam as vacinas. Em 1981 houve uma grande homenagem pelo seu aniversário de 75 anos e também farreamos bastante. Nós recebíamos convites para tudo, até um Carnaval no Sambódromo ele teve a oportunidade de conferir. Mas aconteceu um problema com o governo militar e a história acabou mal (Sabin disse que as informações passadas nos anos 70 para a Organização Mundial de Saúde sobre a erradicação da pólio no país tinham sido mais otimistas do que a realidade. O governo não gostou e dispensou a ajuda dele).

O último caso de paralisia por pólio no Brasil foi  na Paraíba, em 1989. Segundo a OMS, ainda há epidemias na África e na Ásia. Sabin ficaria decepcionado?
Com certeza. Lembro-me do Albert bem velhinho, com sua caixa de vacinas debaixo do braço, lutando pela erradicação global. Esse era seu maior objetivo. É preciso trabalhar duro para mobilizar as populações de países que ainda têm casos de pólio. Mas as campanhas têm tido obstáculos (na Nigéria, por exemplo, surgiram boatos de que a vacina estaria contaminada com o vírus da aids e, além disso, poderia esterilizar as meninas).

A senhora está com 89 anos e sua família mora no Rio. Pensa em voltar a morar no Brasil?
Minha família pede que eu volte, mas não quero. Gosto de viver aqui. Tenho tantas lembranças boas. Eu e Albert gostávamos de andar de carro conversível pelas ruas de Washington, ele costumava pegar sol na varanda do apartamento e a gente adorava admirar o pôr-do-sol pela janela. Sinto que Albert ainda está aqui comigo.

"Minha querida e doce Helô, suas fotos chegaram dois dias atrás. Tenho olhado para elas toda chance que tenho, como olho agora, depois do trabalho..."
Carta de Sabin para sua futura mulher, de 11 de janeiro de 1972.

Aventuras na História n° 046

Ecologistas na história: Fontes da sobrevivência



Thiago Cordeiro
Preocupação com a natureza é coisa bastante recente. Até o século 20, o homem fez apenas algumas ações isoladas a primeira delas ocorreu há quase 5 mil anos.

Em 2700 a.C., os governantes da cidade de Ur, na Mesopotâmia, decretaram que algumas florestas não poderiam mais ser exploradas. A vegetação da região, onde hoje é o Iraque, era importante para a realização de rituais religiosos. Para os habitantes de Ur, os deuses eram considerados os proprietários das terras e as oferendas a eles eram realizadas nos bosques. Embora o motivo não fosse lá tão ecológico, essa foi a primeira ação em favor da preservação da natureza de que se tem notícia. Vários séculos depois, no ano 80, os romanos começariam uma discussão que soa bastante atual. Eles determinaram que, nos períodos de seca, os cidadãos deveriam seguir regras para evitar a poluição da água. Uma delas era impedir que os dejetos pessoais fossem jogados nos rios.
Hoje, o meio ambiente é assunto em todas as ocasiões: tema de conversas em festas, de especiais de televisão e de matérias como esta. Essa preocupação ecológica é coisa do século 20. Até bem pouco tempo atrás, o ambientalismo não despertava nada além de poucas ações pontuais.
A partir de 1600, com a era dos descobrimentos, alguns dos europeus que visitavam as colônias nas Américas se diziam preocupados com a exploração sem limite das florestas. Entretanto, eles eram uma minoria sem força para mudar a política das metrópoles. Até porque o (ab)uso dos recursos naturais era justificado por pensadores influentes. Em 1692, o filósofo inglês Francis Bacon escreveu a favor do domínio total da nossa espécie sobre o planeta: “Se o homem fosse retirado do mundo, todo o resto da natureza pareceria extraviado, sem objetivo ou propósito”. Em 1728, o compositor inglês William Byrd afirmou que os macacos e os papagaios foram criados por Deus com o único objetivo de “oferecer contentamento ao homem”, e o naturalista britânico George Owen defendia que a lagosta foi criada por Deus para nos servir como alimento e exercício, porque é preciso quebrar suas patas e pinças.
O cenário só mudou a partir do século 18, quando a Revolução Industrial inglesa começou a degradar as terras européias. “Sempre existiram pensadores que argumentaram em favor da natureza”, afirma o historiador José Augusto Pádua, coordenador do Laboratório de História e Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Mas foi só no começo da Revolução Industrial que teve início um período de transição em direção aos movimentos organizados que existem hoje.”

A casa no lago
No começo, a ecologia foi um movimento conceitual, que só inspirava uma minoria letrada. Em 1791, o naturalista americano William Bartram publicou o influente Travels, relato de uma viagem de cinco anos da Flórida até o Mississippi, em que catalogou todas as espécies animais que encontrou pelo caminho. Em 1784, o estadista americano Benjamin Franklin pediu aos governos da França e da Alemanha que trocassem a lenha pelo carvão, para evitar a derrubada de árvores. No fim do século 18, o poeta britânico William Wordsworth escreveu que a Revolução Industrial era “um ultraje à natureza” e acabaria com o ar puro. Em 1824, o físico francês JeanBaptiste Fourier pela primeira vez defendeu o conceito de efeito estufa – embora não usasse essa expressão.
O maior marco dessa fase intelectualizada do ambientalismo foi Walden, o livro do linguista americano Henry David Thoreau publicado em 1854. Durante dois anos, dois meses e dois dias, Thoreau viveu em um bosque às margens do lago Walden, em Massachusetts. Ali ele passou os dias em contato com a natureza, caminhando, lendo e plantando seu próprio alimento. O livro, que relata essa experiência, provocou grandes caravanas de americanos em busca do lago Walden. Nele, Thoreau lança um dos conceitoschave do ambientalismo: o de que a natureza tem o direito adquirido de ser mantida do jeito que é. Ainda hoje é considerado o avô da ecologia – apesar de o termo só ter surgido 12 anos depois, em 1866, quando o anatomista e zoólogo alemão Ernst August Haeckel defendeu a necessidade de uma ciência da natureza.
A partir de Walden, os americanos sempre foram os pensadores e ativistas mais influentes do movimento ambientalista – logo eles, que hoje se recusam a assinar o Protocolo de Kyoto, que regulamenta a emissão de gases danosos à atmosfera. Em 1892, o naturalista escocês John Muir criou, em São Francisco, o Sierra Club, o primeiro grupo ambientalista da história. Graças aos esforços de Muir, em 1890 o governo americano inaugurou um dos primeiros parques nacionais do mundo, o Yosemite National Park, na Califórnia. Nos anos seguintes, Austrália, Nova Zelândia e Canadá seguiram o exemplo. Também nessa época começaram a surgir os grandes parques dentro das metrópoles. Seguindo o exemplo pioneiro do imperador francês Napoleão III, que transformou as matas do Bois de Boulogne em parque parisiense em 1852, Nova York garantiu a construção e preservação do Central Park em 1873.
A defesa da natureza ganhava espaço na sociedade ocidental rapidamente. Em 1913, o zoólogo americano William Hornaday escreveu Our Vanishing Wildlife (“Nossa vida selvagem desaparecida”, inédito em português), chamando atenção para o risco da extinção de espécies animais por causa da ação humana. Isso um ano antes de Martha, a única espécime de pombopassageiro viva no mundo, morrer no zoológico de Cincinnati, nos Estados Unidos: a espécie fora destruída pela caça e domesticação forçada. Na mesma época, grupos de cidadãos americanos se organizaram para pedir a preservação do bisão, que parecia seguir pelo mesmo caminho.
Duas guerras mundiais e um período de depressão econômica entre elas desaceleraram o processo ecológico – até 1949, quando surgiu o livro mais importante da história do conservacionismo.  O Sandy County Almanac (“O almanaque de Sandy County”, inédito em português), do ambientalista americano Aldo Leopold, defende uma “ética da terra” e estabelece regras para o convívio saudável do homem com a natureza. A principal delas: “Uma coisa é certa quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. Caso contrário, é errada”.

Sexo, drogas e verde
Mas a ecologia só ganhou mesmo a boca do povo a partir da década de 60. O livro que estava na cabeceira dessa nova geração era Primavera Silenciosa, lançado em 1962 por outra americana, a bióloga marinha Rachel Carson. Nele, ela provava que pesticidas e inseticidas, antes  considerados uma solução milagrosa para a agricultura, estavam envenenando todo o meio ambiente, solo, águas e animais. Com um texto apaixonado, ela argumentava que, com a morte dos insetos por causa da intoxicação da água, as aves não teriam mais alimento e também morreriam. O presidente John F. Kennedy mandou investigar as acusações de Rachel e, em 1972, vários produtos químicos usados nos inseticidas, como o DDT, foram banidos. Sucesso de vendas, Primavera Silenciosa ensinou às pessoas comuns que o ser humano é capaz de provocar sérios danos ao ambiente. A partir do livro de Rachel, ficou impossível ignorar o problema da preservação do planeta.
Em 1971, surgiram os dois primeiros grandes grupos ambientalistas civis, o Greenpeace e o Friends of Earth. No ano seguinte, a Organização das Nações Unidas realizou, em Estocolmo, na Suécia, a primeira grande reunião intergovernamental para discutir o assunto. No fim da Conferência sobre o Desenvolvimento Humano surgiu o Programa de Meio Ambiente da ONU, e 113 nações se comprometeram a resolver seus problemas locais – a Suécia, por exemplo, começou a agir contra a chuva ácida e o Japão iniciou um programa de despoluição de sua costa.
No decorrer da década de 70, alguns grupos ambientalistas começaram a se dividir em facções. As menos radicais defendiam a exploração dos recursos com bom senso, para que eles não acabem tão cedo. Os ecologistas mais radicais se inspiram no livro Gaia, publicado em 1979 pelo excientista da Nasa (a agência espacial americana) James Lovelock, que descreve o planeta como um organismo único, em que cada ser vivo é tão importante quanto qualquer outro. Foi também nesse ano que a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos realizou o primeiro estudo consistente sobre o aquecimento global, o assunto que se tornaria a maior obsessão de organizações nãogovernamentais e governos a partir da década de 90.
Nos anos 80, a ecologia entrou de vez para a política. Surgiram os principais partidos verdes do mundo. O primeiro deles foi o alemão, criado em 1980, que ficou famoso por sua luta contra as usinas nucleares. Foi também nessa década que os grupos civis começaram a ganhar estrutura de grandes empresas multinacionais. Nos Estados Unidos, as doações para entidades em defesa do verde e dos animais alcançaram 6,4 bilhões de dólares em 2001. O Greenpeace, a mais famosa organização, com 2,8 milhões de sócios, gastou, em 1999, 250 mil dólares na compra de ações da Shell – e, assim, tornouse sócia de uma de suas maiores inimigas.

Alcance global
Nosso país é alvo de manifestações ambientalistas esparsas desde o começo da exploração do pau Brasil, ainda no século 16. Um dos patriarcas da independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, foi um dos defensores mais fervorosos da preservação da natureza nacional (leia quadro na pág. 42). Em 1861, o Rio de Janeiro sofria com a falta de água causada pela devastação das árvores para a exploração de madeira e plantações de cana de açúcar e café. Sem as árvores, o terreno sofria desmoronamentos com as chuvas e a lama atingia os mananciais que abasteciam a cidade. Dom Pedro II mandou então replantar a Floresta da Tijuca inteira. Já em 1934, o país realizava a Primeira Conferência Brasileira de Conservação da Natureza. Mas foi em junho de 1992 que o país entrou definitivamente para a história do ambientalismo. Na Eco92, como é conhecida a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, discutiu-se sobre biodiversidade, desertificação e mudanças climáticas.
Surgiu ali também a Agenda 21, o compromisso para que cada país elabore seu próprio plano de preservação do meio ambiente. A partir da Eco92, a ecologia ficou mais parecida com os mercados financeiros: o país não pode fazer o que bem entende, precisa obedecer a algumas regulamentações internacionais. Foi só por causa desse evento que se tornou possível estabelecer, cinco anos depois, o Protocolo de Kyoto. “Foi na década de 60 que a sociedade parou de se preocupar com a conservação de uma espécie animal e vegetal específica e começou a pensar no problema mais amplo do ambientalismo”, diz José Augusto Pádua. “Mas foi com a Eco92 que essa preocupação se transformou em um programa global, com metas claras estabelecidas para cada nação.”

Sem eco chatice
José Bonifácio, patriarca da independência e primeiro ecologista.
Nascido em Santos em 1763, José Bonifácio de Andrada e Silva foi decisivo para que o Brasil se separasse de Portugal, em 1822. Mas ele só virou político com 56 anos. Bonifácio era mesmo cientista. Entre 1783 e 1819, viveu na Europa e o primeiro trabalho que apresentou como membro da Academia Real de Ciências de Lisboa, em 1789, foi o tratado “Memória sobre a pesca das baleias e a extração de seu azeite: com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias”. No texto, ele se diz preocupado com a pesca indiscriminada das baleias. O problema era antigo: vinha desde o século 16. Não foi a primeira manifestação ambientalista do patriarca da independência. Seis anos antes, ele já tinha escrito em um artigo: “Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escavando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes (...) sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos desertos áridos da Líbia”. “Mais do que defensor da natureza como um bem em si, ele desejava o aproveitamento racional dos recursos disponíveis em prol do desenvolvimento do país”, afirma o historiador Magnus Roberto de Mello, da Universidade Federal do Paraná.

Pré-ambientalistas
Eles eram vozes isoladas.

Buda
Nascido no século 5 a.C., Sidarta Gautama pedia em seus sermões que os fiéis fossem carinhosos com as criaturas vivas.

Aristóteles
Já no século 4 a.C. ele defendia que a natureza é um todo integrado e contínuo, e todos os animais fazem parte de uma única ordem.

São Francisco de Assis
Francisco dizia, no século 13, que o homem tinha a obrigação de praticar a caridade com os animais.

Goethe
O poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) era um defensor da idéia de que tudo no planeta está profundamente interligado.

 Aventuras na História n° 046

Carrascos nazistas: Felizes para sempre



Celso Miranda e Giovana Sanchez
Como carrascos nazistas, acusados e condenados por alguns dos mais terríveis crimes contra a humanidade, conseguiram escapar da justiça e viver em liberdade após o fim da guerra, em 1945.

Assim que a Segunda Guerra acabou na Europa, em junho de 1945, a derrotada Alemanha foi dividida em  quatro zonas, controladas pelos três grandes vencedores – americanos, soviéticos e britânicos – e pelos franceses. Cerca de 1,5 milhão de ex-combatentes alemães voltavam a seu país, vindos de locais como França, Itália e Polônia. Por todo o continente, havia ainda 2,5 milhões de prisioneiros: soldados, oficiais, políticos e colaboradores nazistas, entre os quais estavam responsáveis por um conflito que causou pelo menos 40 milhões de mortes e pelo extermínio de cerca de 6 milhões de judeus, 2 milhões de eslavos e outros 200 mil civis (como ciganos e testemunhas de Jeová).
Quando cessaram os tiros, um objetivo dominou os vencedores: punir os perdedores. “A punição de criminosos de guerra não se trata de vingança”, afirmou o historiador britânico Eric Hobsbawm no livro Era dos Extremos. “Trata-se de trazer de volta a ordem e a normalidade, restabelecendo a confiança dos povos nos organismos legalmente constituídos.” Segundo Hobsbawm, esse processo de “desnazificação da Europa” não pretendia condenar milhares, mas “punir aqueles que servissem de exemplo”.
Logo se percebeu que separar quem era culpado de quem era muito culpado seria um desafio enorme. Cerca de 40 mil funcionários públicos americanos, franceses e britânicos foram convocados: um exército de escrivães, advogados e juízes. Só na zona americana, foram instauradas 545 cortes civis para analisar 900 mil casos.
Menos de seis meses depois da queda de Hitler, os vitoriosos já estavam prontos para acusar e julgar os maiores culpados. Entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro do ano seguinte, o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg decretou 11 condenações à morte, três prisões perpétuas, duas sentenças de 20 anos de prisão, uma de 15 e outra de dez anos. Três acusados foram absolvidos. E pronto. Nos dois anos que se seguiram ao julgamento, 1 milhão de alemães deixaram o país legalmente. Estima-se que outros 100 mil o fizeram de forma ilegal. Entre eles estavam criminosos, carrascos e assassinos. Muitos ficaram impunes para sempre. Quem? Como? Você vai ver a seguir.

FUGA EM MASSA
Já era noite de 26 de junho de 1945 quando uma patrulha do Exército americano avistou um homem andando numa estrada de terra entre Stuttgart e Ulm, no sul da Alemanha. Detido e interrogado, disse ser Adolf Barth, cabo da Força Aérea alemã. Foi preso. Nos meses seguintes, foi transferido de campo seis vezes e, em cada um deles, apresentou-se com um nome diferente. No início de 1946, conseguiu escapar, atravessou o país e se estabeleceu na zona rural de Eversen, onde viveu isolado. Seu verdadeiro nome era Adolf Eichmann. Ex-coronel da tropa de elite SS e chefe da Gestapo (a polícia secreta de Hitler), ele foi um dos mentores da “solução final”, a operação que pretendia exterminar os judeus da Europa.
Em 1950, quando as coisas esfriaram, Eichmann decidiu deixar a Alemanha e foi para a Itália. Lá, em 14 de junho, o consulado argentino em Gênova lhe concedeu visto de imigração em um passaporte com o nome de Ricardo Klement. Comprou uma passagem no navio Giovanna C e, um mês depois, desembarcou em Buenos Aires. Arrumou emprego e levou a família para lá. Seqüestrado por espiões israelenses,  foi levado a Telavive, onde foi condenado e executado em 1962.
O senso comum sugere que, antes do fim da guerra, líderes nazistas já tinham planos secretos para salvar a própria pele. Uma dessas rotas de fuga ficaria famosa com o livro O Dossiê Odessa, do britânico Frederick Forsyth. Apesar de ser um romance, baseou-se numa organização real chamada Odessa (sigla em alemão para “Organização de Ex-membros da SS”). Entretanto, pesquisas recentes mostram que esse tipo de iniciativa foi responsável por poucas fugas. “Governos nacionais e instituições completamente legais livraram a cara de muito mais nazistas que organizações secretas”, diz Jorge Camarasa, historiador argentino, autor de Odessa al Sur (“Odessa do Sul”, inédito no Brasil).
A rota que Eichmann usou para deixar a Europa, por exemplo, era coordenada pelo bispo austríaco Alois Hudal, reitor de um seminário para padres alemães e austríacos em Roma. Nazista professo, ele foi nomeado pelo Vaticano para visitar os prisioneiros de guerra detidos na Itália. Segundo Camarasa, Hudal usou sua posição para dar fuga a criminosos nazistas procurados. No início, o bispo conseguia documentos falsos para que os prisioneiros fossem libertados e depois os ajudava a se esconder, geralmente no interior da Itália. Quando autoridades começaram a desconfiar do esquema, Hudal percebeu que precisava tirar seus protegidos da Europa. Recorreu a identificações falsas emitidas pela Comissão de Refugiados do Vaticano. “Esses papéis não serviam como passaportes, mas era com eles que os fugitivos adquiriam nova identidade e, assim, conseguiam auxílio junto à Cruz Vermelha, que, por sua vez, era usada para conseguir vistos”, afirma o jornalista australiano Mark Aarons, co-autor de Unholy Trinity (“Trindade profana”, sem versão em português). “Em teoria, a Cruz Vermelha deveria checar os registros de quem solicitava vistos de saída, mas na prática a palavra de um padre ou, principalmente, de um bispo era suficiente.”
A maior rota de fuga de nazistas, porém, foi criada por uma rede de padres liderada pelo bispo croata Krunoslav Draganovic. “A organização fixou seu quartel-general no Seminário de São Girolamo, em Roma. Inicialmente, seu foco era tirar dos territórios ocupados pelos soviéticos os membros do partido nazista croata”, afirma Uki Goñi, historiador argentino, autor de A Verdadeira Odessa. “Com o tempo, a rota de Draganovic tornou-se a principal via de fuga dos criminosos nazistas, tirando mais de 5 mil deles da Europa.”

AMÉRICA LATINA
Entre os picos nevados de Bariloche, nos Andes argentinos, um imigrante alemão levou uma vida pacata por quase 50 anos. Dono de uma confeitaria chamada Viena, don Erico morava com a mulher, Alice, no segundo e último andar de um prédio na praça Belgrano, alugando o primeiro pavimento para um orfanato. A dois quarteirões dali, um certo Juan Maler ergueu o hotel Campana, onde vivia, escrevendo livros de pregação nazista. Em 1994, a rede de TV americana ABC descobriu que Maler era Reinhard Kops, ex-capitão da SS. Desmascarado diante das câmeras, Kops dedurou: “Por que correm atrás de mim, se o pior dos nazistas da Argentina vive aqui ao lado?” Don Erico, o simpático confeiteiro, era Erich Priebke, ex-capitão da Gestapo e co- autor de um massacre de 330 civis italianos em Roma, em 1944.
Acusar o vizinho deu certo para Kops, que se escondeu no Chile. Ele nunca foi julgado e, dois anos depois, retornou a Bariloche, onde publicou textos hitleristas até sua morte, em 2001. Já Priebke, após uma batalha judicial de 17 meses, foi extraditado para a Itália. Lá, foi condenado por homicídio múltiplo, mas escapou da prisão perpétua – seu crime prescrevera em 1974, 30 anos depois de ser cometido. Ele foi solto, mas a Justiça italiana anulou o julgamento. Hoje, Priebke está em prisão domiciliar em Roma. Não há data para um novo julgamento. Com 94 anos, ele é o prisioneiro mais velho da Europa.
Para o argentino Uki Goñi, interesses econômicos e pressão da Igreja Católica e das comunidades de imigrantes podem explicar por que a América Latina se tornou o destino predileto dos nazistas. “Meu país tem uma peculiaridade, por ter feito um esforço dirigido – ou iniciado – pelo presidente Juan Perón para trazer esses criminosos de guerra”, afirma Goñi. As razões de Perón, segundo ele, incluíam gratidão (os nazistas o ajudaram entre 1943 e 1945) e simpatia pelos ideais fascistas.
O  primeiro passo para contrabandear nazistas da Europa para a Argentina, de acordo com Goñi, foi dado em janeiro de 1946, quando Antonio Caggiano, bispo de Rosário, foi a Roma para ser ordenado cardeal. Lá, segundo arquivos diplomáticos argentinos, ele transmitiu ao cardeal francês Eugéne Tisserant a mensagem de que “o governo da República da Argentina está disposto a receber cidadãos franceses, cuja atitude política durante a recente guerra pode tê-los exposto a medidas cruéis e retaliações”. Nos meses seguintes, entre 300 e 500 colaboracionistas franceses foram para a Argentina com passaportes fornecidos pela Cruz Vermelha em Roma.
Outro fator que engrossou o número de nazistas na América Latina foi o uso de criminosos de guerra como informantes e espiões na Guerra Fria (por britânicos e americanos de um lado e soviéticos de outro). Muitos deles foram salvos da prisão e encaminhados ao Cone Sul. Foi o caso de Klaus Barbie, ex-diretor da Gestapo, que ordenou, na França, a execução de civis e o envio de crianças para Auschwitz. Em 1947, ele se tornou agente do serviço secreto americano e, depois, acabou fugindo para a Bolívia. Descoberto em 1971, só foi deportado em 1983. Quatro anos depois, foi condenado na França pela morte de 177 pessoas. Morreu de leucemia em 1991, numa prisão de Lyon.

PORTO SEGURO
No Brasil, a presença de criminosos nazistas também foi grande. O caso mais famoso foi o do médico Josef Mengele, que usava humanos como cobaias de suas experiências macabras em Auschwitz (ele morreu impune, afogado após uma bebedeira em Bertioga, no litoral paulista, em 1979). O envolvimento das autoridades brasileiras na entrada de criminosos de guerra é um assunto polêmico. Mas chovem indícios de que os nazistas contaram com boa vontade para entrar no país. Nos mais de 20 mil documentos dos arquivos da antiga Delegacia de Ordem Política e Social (Deops) liberados pelo governo federal em 1997, há cartas trocadas entre as representações brasileiras em Roma e Berlim que mostram como nossa diplomacia fechou os olhos para o passado nazista de empresários, engenheiros e ex- militares – que eram encorajados a declarar falsos nomes e profissões ao vir para cá.
Especialistas levantam a hipótese de que o próprio presidente Eurico Gaspar Dutra, que assumiu em 1946, sabia do que se passava. Para Marionilde Brephol Magalhães, historiadora da Universidade Federal do Paraná e autora de Pangermanismo e Nazismo – A Trajetória Alemã Rumo ao Brasil, além da simpatia que setores do governo e do meio militar tinham pelos nazistas, Dutra acreditava que técnicos e cientistas alemães poderiam ajudar na industrialização do país.
Um problema ainda maior que a falta de controle na entrada teria sido a falta de disposição para prender e extraditar os criminosos descobertos por aqui. A tolerância do governo brasileiro logo ficou conhecida e intensificou a vinda de nazistas. Alguns nem se deram ao trabalho de mudar de nome, como Franz Stangl. Comandante dos campos de extermínio de Sobibor e Treblinka, na Polônia, ele chegou a ser preso na Áustria em 1945, mas conseguiu escapar para a Síria, onde reuniu-se à esposa e aos filhos. Segundo registros da Deops, desembarcou no Brasil em 1951 e, tempos depois, conseguiu emprego numa fábrica da Volkswagen, em São Paulo.
Stangl só foi preso em 1967, após denúncia do “caçador de nazistas” Simon Wiesenthal (veja quadro na pág. 28). Levado para a então Alemanha Ocidental, foi julgado pela morte de 900 mil pessoas – fato que admitiu à jornalista de origem húngara Gitta Sereny, em depoimento publicado no livro Into the Darkness (“Nas Trevas”, inédito no Brasil). “Minha consciência está limpa. Eu só estava fazendo meu dever”, disse. Condenado à prisão perpétua em outubro de 1970, Stangl morreu de ataque do coração oito meses depois, numa prisão de Dusseldorf.
Outro que ostentou o próprio nome no Brasil foi o austríaco Gustav Wagner, um dos responsáveis pelo campo de extermínio de Sobibor. Enquanto era condenado à morte pelo Tribunal de Nuremberg, o fugitivo Wagner trabalhava como operário em Graz, na Áustria. Ali encontrou o ex-colega Stangl e com ele escapou para a Síria. Chegou a São Paulo com passaporte suíço em 12 de abril de 1950 e foi morar em um sítio em Atibaia, São Paulo, onde fez um chalé no estilo da Bavária. Chamado de “seu Gustavo” pelos vizinhos, foi detido em maio de 1978, ao se apresentar na Deops para desmentir uma reportagem em que era acusado de participar de uma festa em homenagem a Hitler.
Por sua idade avançada, Wagner foi transferido para uma clínica e depois mandado para casa. As autoridades brasileiras já haviam recusado pedidos de extradição feitos por Israel, Áustria e Polônia quando, em 18 de junho de 1979, a rede de TV britânica BBC levou ao ar uma entrevista com Wagner. “Eu não guardo nenhum sentimento daqueles dias (...). À noite, nós nunca discutíamos nosso trabalho, só bebíamos e jogávamos cartas”, disse. Quatro dias depois, seu pedido de extradição para a Alemanha Ocidental também foi negado. Em outubro de 1980, Wagner foi achado morto com uma facada no peito. A polícia concluiu que ele se matou.
A lista não acaba aí. Acusado de participar da morte de 30 mil judeus em Riga, na Letônia, o capitão-aviador Herbert Cukurs fugiu para a França, onde obteve visto para vir ao Brasil em 1946. No Rio de Janeiro, ele trabalhou na Fábrica Brasileira de Aviões. Logo depois montou um negócio, alugando pedalinhos na praia de Icaraí, em Niterói. Em 1948, foi reconhecido. Sua casa foi pichada e seu nome saiu nos jornais, mas ele nunca foi preso. Na década de 1950, mudou-se com a família para Santos e depois para São Paulo.
Em 1960, Cukurs tentou se naturalizar. Foi quando a polícia paulista tomou seu único depoimento, em 6 de junho. No dia 7, os policiais ouviram Frida Schmuskovits, sobrevivente dos campos de extermínio da Letônia. Sobre os massacres de judeus, ela relatou que “a matança era feita por ordem de Herbert Cukurs”. Com a naturalização negada, Cukurs foi para Montevidéu em 1965, ao lado de um amigo que ele conhecera um ano antes e se apresentava como o austríaco Anton Kunzle. Dois dias após chegar ao Uruguai, Cukurs foi encontrado numa mala. Tinha marcas de tiros e a cabeça destruída a marteladas. Num comunicado à imprensa, um grupo autodenominado “Aqueles que Não Esquecem” assumiu o assassinato.

ÚLTIMA CHANCE
Chovia pouco em Viena, na manhã de 16 de dezembro de 2005, quando alguns familiares viram  o corpo de Heinrich Gross, morto na véspera, aos 91 anos, ser baixado ao túmulo. Psiquiatra e neurologista de renome, Gross ocupava, desde 1962, uma cadeira na Academia Austríaca de Ciência. Mas é outra parte de sua biografia que nos interessa. Entre 1940 e 1945, o doutor Gross dirigiu o programa nazista de pesquisas de eugenia baseado em Viena. Em sua clínica, ele coordenou experimentos médicos e farmacológicos que vitimaram mais de 700 crianças. Após a guerra, Gross desapareceu. Ressurgiu seis anos depois, em Viena, como professor. Em 1956, foi nomeado perito da Justiça para avaliar criminosos com problemas mentais. Só em 1994 acadêmicos da Universidade de Viena perceberam que o simpático velhinho e o cruel cientista eram a mesma pessoa.
Apesar das tentativas de levar Gross aos tribunais, ele nunca foi preso – houve pouca movimentação por parte de promotores e juízes, com quem tantas vezes ele havia trabalhado. Em 2002, quando foi enfim convocado por uma corte vienense, Gross, aos 89 anos, mostrou-se senil e, segundo seu advogado, não conseguia entender o interrogatório. O médico foi declarado inapto para ser julgado e saiu pela porta da frente do prédio, caminhando com uma bengala. Viveu em paz até morrer.
Gross se enquadra num grupo de nazistas que nunca fugiu, mas desapareceu nos desvãos da burocracia. Há quem aceite o esquecimento. Não é o caso do Centro Simon Wiesenthal (CSW), que desde 1977 reúne informações sobre nazistas. “Genocídio e assassinato em massa nunca prescrevem”, afirma o israelense Efraim Zuroff, diretor do CSW em Jerusalém. Segundo o último relatório da entidade, de 2006, 458 pessoas estão sendo investigadas por crimes de guerra e, de janeiro de 2001 a dezembro de 2006, 41 nazistas foram condenados no mundo. Segundo Zuroff, outros poderiam ir a julgamento se houvesse mais empenho dos países que os abrigam. “O mais difícil não é encontrar os criminosos, mas levá-los a julgamento.”
O nome mais recente entrou na lista da CSW em julho de 2006. Num evento social, um sujeito não parava de se gabar de seu papel na deportação de judeus para Auschwitz. Um jovem anotou seu nome e procurou o CSW. “Descobrimos que era Sandor Kepiro, húngaro condenado pela morte de mais de 1200 civis em janeiro de 1942, na cidade de Novi Sad, então parte da Hungria, atualmente na Sérvia”, conta Zuroff. Aos 93 anos, Kepiro mora em Budapeste e aguarda a Justiça determinar se ele terá de cumprir a pena de 14 anos de prisão que recebeu em 1948.
Entre os nazistas ainda foragidos, o mais eminente é o médico austríaco Aribert Heim, que serviu em três campos de extermínio, Sachsenhausen, Buchenwald e Mauthausen, onde centenas de pessoas foram mortas com injeções de fenol no coração. “Heim foi preso pelos americanos na Bélgica em março de 1945, mas foi solto dois anos depois”, diz Zuroff. Livre, Heim voltou à medicina e, em 1962, foi processado na Alemanha Ocidental. Enquanto aguardava julgamento, fugiu. Desde então, foi visto na Argentina, Egito, Uruguai e Espanha. Era dado como morto até que, três anos atrás, a polícia alemã descobriu uma conta bancária em nome de Heim com mais de 1 milhão de euros. O fato de seus filhos nunca terem sacado o dinheiro levou as autoridades a concluir que ele ainda está vivo. Uma força-tarefa foi montada para encontrá-lo. Seu paradeiro, no entanto, permanece um mistério.

Más companhias
Os americanos usaram ex- nazistas como arma na Guerra Fria.
Dois anos antes de Adolf Eichmann ser achado na Argentina, em 1960, os americanos já sabiam seu paradeiro, incluindo o nome que ele usava: Ricardo Klement. Quem afirma isso é Timothy Naftali, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. O historiador é um dos quatro membros do Grupo de Trabalho sobre Crimes de Guerra Nazistas, encarregado pelo governo americano de examinar arquivos liberados pela CIA desde 2004 – são 27 mil páginas sobre a atuação da central de inteligência no pós-guerra. Segundo Naftali, os Estados Unidos esconderam a identidade de ex-nazistas e os usaram como espiões contra a antiga União Soviética. “A CIA e o governo da antiga Alemanha Ocidental cooperaram para encobrir o paradeiro de Eichmann.” Americanos e alemães achavam que, se descoberto, Eichmann comprometeria Hans Globke, chefe da Casa Civil do então primeiro-ministro da Alemanha, Konrad Adenauer. Como Eichmann, Globke pertencera ao alto escalão nazista – fora um dos criadores das chamadas Leis de Nuremberg (que, entre outras coisas, cassaram direitos civis dos judeus alemães nos anos 30). Os documentos revelados mostram ainda que, depois da execução de Eichmann, em 1962, a CIA pressionou a revista americana Life, que detinha os direitos de publicação das memórias do nazista, para que ela omitisse o nome de Globke da narrativa. O conselheiro acabou deixando o governo alemão em 1963.
A ampla rede de ex-nazistas a serviço dos Estados Unidos era liderada pelo major-general Reinhard Gehlen, ex-chefe da espionagem de Hitler na frente oriental. Em 1956, essa rede se tornou o núcleo da Bundesnachrichtendienst (conhecida, graças a Deus, pela sigla BND), o serviço de espiões da Alemanha Ocidental. Gehlen dirigiu a BND até 1968 e morreu do coração em 1979, em Bonn. Nunca foi acusado de crime algum. “Após o fim dos julgamentos de desnazificação, era política dos Estados Unidos deixar a perseguição aos criminosos para os alemães ocidentais. Mas esses não mostraram nenhum interesse em fazê-lo”, diz Elizabeth Holtzman, ex-deputada americana e também membro do grupo que analisa os documentos. “Os arquivos nos forçaram a enfrentar não somente os prejuízos morais, mas também os prejuízos práticos que tivemos ao confiar serviços de inteligência a ex- nazistas.”

"Justiça, não vingança"
Simon Wiesenthal dedicou sua vida a caçar nazistas.
Quando morreu, em setembro de 2005, em Viena, Simon Wiesenthal tinha 96 anos. Boa parte deles fora gasta repetindo a frase acima. Ele a usava para justificar sua incansável perseguição a criminosos nazistas. Judeu, Wiesenthal nasceu no então Império Austro-Húngaro e foi preso em 1941, durante a ocupação nazista da Polônia. Após ter sobrevivido a 12 campos de concentração, foi libertado por tropas americanas no campo austríaco de Mauthausen. Na época, com 1,82 metro, pesava 45 quilos. “A força para sobreviver veio da decisão de cobrar a punição dos responsáveis pelo Holocausto”, costumava dizer ele. Essa tarefa, cumprida por décadas, tornou-o alvo de diversos atentados e ameaças de morte.
Wiesenthal começou com uma lista de 91 nomes de criminosos de que ele próprio tinha conhecimento. Ela foi crescendo com depoimentos e denúncias de sobreviventes de campos de concentração que, logo após a guerra, estavam espalhados por acampamentos na Áustria, Alemanha e Itália. Wiesenthal foi o primeiro a aplicar sistematicamente o método da história oral nas pesquisas sobre o Holocausto, e fundou um centro judaico de documentação. No livro Justiça, Não Vingança, publicado em 1988, Wiesenthal contabilizou ter contribuído para a investigação de 6 mil casos e para a punição de 1100 criminosos nazistas.

De Nuremberg a Bagdá
Como chefes de Estado têm sido julgados por seus atos.
Criado em agosto de 2004, o Tribunal de Criminosos de Guerra Iraquianos foi instituído para julgar crimes cometidos desde a tomada do poder pelo partido Baath, em julho de 1968, até a derrubada do regime de Saddam Hussein, em maio de 2003. No fim do ano passado, numa decisão anunciada por Abdel Asis el Hakim, chefe do Conselho de Governo e histórico opositor de Saddam, o ex-presidente do Iraque foi condenado à morte e executado. Países como Brasil, Rússia e França reagiram negativamente à pena capital, com o argumento de que se deveria evitar a “justiça dos vencedores”. Ou seja, temia-se que não houvesse justiça, mas vingança.
O primeiro chefe de Estado a ser julgado por crimes de guerra deveria ter sido Adolf Hitler. Isso se ele não tivesse se matado dias antes do fim da guerra. “Não se pode culpar um país, mas deve-se responsabilizar seus líderes. Aqueles que lideraram o destino de milhões devem responder pelos seus atos”, dizia o documento de abertura do tribunal de Nuremberg, em 1945.
Embora o direito militar tenha contornos definitivos desde a Convenção de Genebra, de 1949, só após o fim da Guerra Fria a Organização das Nações Unidas (ONU) pôde ressuscitar as cortes internacionais para julgar crimes de guerra e contra a humanidade. E o primeiro réu levado a julgamento, em 2002, foi Slobodan Milosevic, ex-presidente da Sérvia e da antiga Iugoslávia, cujas tropas foram acusadas de atrocidades na província de Kosovo e na Bósnia. O Tribunal Internacional estabelecido em Haia, na Holanda, teve juízes de várias nacionalidades – mas nem assim escapou das polêmicas. Milosevic foi levado a Haia sem que a Sérvia aprovasse a extradição, o que feriu o direito internacional. Seu julgamento não chegou ao fim: em 11 de março de 2006, ele apareceu morto em sua cela, vítima de problemas cardíacos. Outro ex-chefe de governo julgado numa corte da ONU – o Tribunal Internacional de Arusha, na Tanzânia – foi o ex-primeiro-ministro de Ruanda, Jean Kambanda, que está preso. Em 1998, ele admitiu a culpa pela morte de milhões de pessoas em seu país, quatro anos antes. Atualmente, em Serra Leoa, um tribunal especial criado em 2002 está julgando o ex-presidente da Libéria, Charles Taylor, acusado de crimes durante a guerra civil naquele país.

Aventuras na História n° 046